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quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Esclerose Múltipla e Novas Drogas Modificadoras de Doença


I. Definição
É uma doença desmielinizante auto-imune do SNC que acomete a substância branca do cérebro, tronco encefálico, cerebelo, medula espinhal e tipicamente o nervo óptico.
Forma lesões características nestas áreas, chamadas de “placas”.

II. Epidemiologia
Depois do trauma, é a segunda maior causa de incapacidade neurológica em jovens. Acomete mais mulheres brancas (2:1) entre 35-50 anos.

III. Fisiopatologia
Ocorre agressão inflamatória auto-imune, principalmente por linfócitos T, sobre a bainha de mielina dos axônios do sistema nervoso central (produzida pelos oligodendrócitos, enquanto a mielina do sitema nervoso periférico é produzida pelas células de Schwann).
Isso leva à degeneração axonal permanente e as sequelas, após anos, tornam-se irreversíveis.

IV. Clínica
O tipo de apresentação mais comum é o remitente-relapsantecom aparecimento de disfunção neurológica focal durante os surtos, que podem vir de forma aguda ou subaguda.  Dois ou mais déficits provenientes de diferentes áreas do SNC são a regra e, em geral, há história pregressa de múltiplos surtos. As lesões são cumulativas.
Os sintomas iniciais mais comuns são:
  • Mono ou hemiparesia;
  • Déficit sensorial localizado (hipoestesia);
  • Dor ocular associada à perda de acuidade visual por neurite óptica retrobulbar (não pode ser detectada no exame de fundo de olho)
Outros sintomas são:
  • oftalmoplegia internuclear- diplopia
  • Ataxia
  • Vertigens
  • Disfunção vesical
Algumas características da doença são:
  • Sinal de Uthoff: o déficit de esclerose múltipla piora tipicamente com o aumento da temperatura corporal. Porém, isso tende a ser reversível.
  • Sinal de Lhermite: sensação de choque elétrico, que desce desde a região cervical até membros inferiores, desencadeada por movimentos de flexão-extensão da cabeça. É comum, mas também pode ocorrer nas doenças de medula cervical (ex. hérnia de disco, siringomielia, espondilose).
  • Em um período médio de 15 anos de doença, costuma haver evolução para disfunção motora grave.
Existe uma forma menos comum de evolução da doença, a forma progressiva, que pode ser primária ou secundária (após 20-40 anos tendo surtos).

V. Diagnóstico
O principal critério é: envolvimento de duas ou mais áreas distintas do SNC, com intervalo mínimo de 1 mês ou mais entre o surgimento de uma lesão e outra, na ausência de outras explicações para o quadro. Porém, deve-se demonstrar objetivamente a existência de déficit neurológico ou lesão, sendo assim a RNM e potenciais evocados têm grande utilidade. Dados que corroboram o diagnóstico são:
  • RNM: envolvimento de substância branca- geralmente periventricular, bilateral e simétrico, com acometimento típico do nervo óptico unilateral e presença de “placas” póstero-laterais na medula espinhal.
  • Exame de potenciais evocados: condução neuronal alterada em regiões características da esclerose múltipla (ex. campo visual alterado), porém sem relato de sintomas prévios.
  • Punção lombar: seu principal objetivo é realizar diagnóstico diferencial com outras condições, como as infecciosas. O liquor pode mostrar bandas oligoclonais de IgG, porém é um achado de baixa sensibilidade e especificidade.

VI. Tratamento
-Surtos:
Tratados com pulsoterapia de metilpredinisolona 1g IV por 3-5 dias, seguida de prednisona VO por mais 4-8 semanas. Isso controla o quadro agudo, mas não previne a progressão da doença.
-Terapia crônica – fármacos “modificadores de doença”:
            São drogas que reduzem as recidivas da doença. Envolve o uso de interferon-beta-1a,interferon-beta-1b ou acetato de glatiramer. O natalizumab, um anticorpo monoclonal contra o VLA-4, molécula que facilita entrada de leucócitos auto-reativos no SNC, é considerada a droga mais eficaz. Porém, é somente usada em casos refratários à terapia convencional, pois pode reativar o vírus JC, latente na maioria da população, levando à leucoencefalopatia multifocal progressiva. A mitoxantrona é um quimioterápico com propriedades imunossupressoras usado na forma progressiva da doença. É uma droga cardiotóxica, devendo o paciente ser monitorizado periodicamente.
            As novas drogas modificadoras de doença desenvolvidas e estudadas nos últimos anos são:
  • Fingolimod (Gilenya): ganhou o aval do FDA norte-americano como droga de primeira linha para o tratamento da EM. O Fingolimod é uma molécula que se liga aos receptores de esfingosina 1-fosfato, tais receptores são importantes para a migração de linfócitos no SNC. Isso reduz a taxa de recidiva dos ataques de desmielinização (prevenindo ou abrandando as sequelas dos surtos).
  • Dalfampridina (Ampyra): não atua diretamente no processo fisiopatogênico da EM, porém, exerce efeitos benéficos significativos nas regiões já acometidas pela desmielinização.É um bloqueador não-específico de canais de potássio que melhora a condução do impulso nervoso nos axônios de regiões desmielinizadas. Melhora a capacidade de contrair grupos de fibras musculares, melhorando a função motora periférica. Pode recuperar a capacidade de deambulação de alguns pacientes restritos à cadeira de rodas.
  • BG-12: Uma das 3 drogas já em fase 3 de testagem clínica, que são fortes candidatas à aprovação pelo FDA no ano de 2012. Têm como objetivo evitar ou interromper a neurodegeneração. O fármaco BG-12 parece reduzir a taxa de ataque da doença em 53%, reduzindo em 30% a incapacidade neurológica definitiva ao longo de 2 anos de uso. Além disso, também parece ser mais seguro que as demais drogas em uso na atualidade, com menor risco de complicações infecciosas como a leucoencefalopatia multifocal progressiva.
Contudo, a despeito desses avanços científicos, o manejo de pacientes com esclerose múltipla continua difícil na prática, e muitos pacientes ainda evoluem com sequelas incapacitantes. Segundo os especialistas, cada vez mais estamos próximos de uma realidade onde os portadores de EM, em uso das potentes drogas “modificadoras de doença”, poderão levar uma vida normal, sem qualquer sintoma da doença.

VII.           Bibliografia
  • Goldman’s Cecil Medicine, 24° edição.
  • FAUCI, Anthony S.; KASPER, Dennis L.; LONGO, Dan L.; BRAUNWALD, Eugene; HAUSER, Stephen L.; JAMESON, J. Larry; LOSCALZO, Joseph. HARRISON-MEDICINA INTERNA. Editora McGraw-Hill Interamericana do Brasil, 2008, 17 Edição.
  • Michael J Olek, DOFrancisco Gonzalez-Scarano, MDJohn F Dashe, MD, PhDTreatment of relapsing-remitting multiple sclerosis in adults. Setembro 2011

Artigo elaborado para o Medportal  por Eduardo Carneiro Fagundes
Publicado no Medportal em 15/01/2012

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