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O que vi em Nova Friburgo

O que vi em
Nova Friburgo
Primeiras impressões
Vi em Nova Friburgo uma atividade anormal da natureza.

Não há uma montanha que não tenha tido algum tipo de deslizamento.
Se as geleiras estão derretendo, os morros de Nova Friburgo estão se desmantelando.
Me dei conta deste cenário ainda na chegada. Cheguei através de RJ 142, via Lumiar. A estrada está aberta em boas condições na maior parte do seu percurso. Somente com uns dois ou três trechos, onde há um desvio ou meia pista aberta. A quantidade de terra nos trechos de deslizamento já dá uma idéia de uma grande chuva atingiu a região.
Mas, a visão que realmente me impressionou foi a do Vale do Stucky, próximo ao restaurante Empório do Dengo. Este Vale é uma das visões mais bonitas deste trecho da estrada, em minha opinião, e todas as vezes que passo por lá sempre contemplo aquelas montanhas e o verde da Mata Atlântica. Desta vez, tomei um choque, pois não há uma montanha se quer na qual não tenha acontecido um deslizamento de terra. Agora, o verde das montanhas está cortado por grandes faixas vermelhas, cor da terra exposta, cor do barro desta serra. Alguns picos exibem suas pedras nuas, lavadas pela chuva. O que havia de cobertura vegetal desceu, até as bromélias, comuns nestas rochas, estão aparentemente mortas.


A cidade

A chegada até o centro de NF foi tranqüilo. Fiquei feliz ao ver que aos poucos a cidade está tentando voltar a sua vida normal. Algumas lojas abertas tentam retomar o ritmo. O centro da cidade está mais limpo, sem lama, apesar da poeira fina, vermelha cobre tudo. Em alguns pontos sinais claros da altura da água e lixo acumulado, vão dando uma certa idéia do que aconteceu. Movimento de tropas e carros do exército. O trânsito bem complicado, especialmente no final da tarde.
Tentando ajudar
Me dirigi com amigos da Equipe da Natação do Mar de Rio das Ostras a Defesa Civil. Tínhamos por objetivo saber onde poderíamos ser útil. De lá, fomos encaminhados ao Corpo de Bombeiros, já que a Defesa Civil está mais focada na parte das habitações em área de risco.

No momento em que nos apresentávamos no Corpo de Bombeiro, o alto-falante anunciava a queda de um helicóptero de resgate no Ceasa, a mais ou menos 30 km do centro. Após o movimento de carros e sirenes, conversamos com um oficial, que nos informou sobre o voluntariado para resgates. Bastava se apresentar diariamente no batalhão e aguardar instruções. Garantiu que naquele momento, o socorro já havia chegado a todas as localidades mais distantes através dos trilheiros que estavam ajudando ou por via aérea. Os trilheiros foram estratégicos nesta ajuda. Encontramos os colegas do grupo de Resgate de Montanha de Campos. Ainda aguardavam instruções já impacientes. Não havia mais nada há fazer relacionado à busca de sobreviventes. O trabalho era resgate de corpos ou levar mantimentos aos locais de difícil acesso.


Resolvemos, então, ver se seríamos mais úteis ajudando as vítimas. Tentamos a Secretaria de Assistência Social, cuja equipe de coordenação estava toda na rua. Pegamos algumas indicações sobre os abrigos. Passando pela praça, onde está o hospital de campanha, fui informado através do pessoal do centro de turismo para procurar logo em frente, no Instituto de Educação, onde está funcionando um local de reconhecimento de pessoas falecidas e outros atendimentos, mais informações. Logo fomos atendidos e uma lista de escolas onde estão crianças, alguns órfãos. Um casal de senhores esperava sentado em um banco. Seus rostos transmitiam a dor da tragédia. Foram reconhecer o corpo de parentes, o filho e a nora. O casal e mais nove parentes, se salvaram. Conseguiram ficar dentro de um carro. A garagem da casa não caiu. Meus amigos abraçaram eles. Um conforto.

Seguimos para o CIEP da Via Expressa, em Olaria. Logo na chegada vimos uma montanha de doações. Roupas. Pilhas e pilhas de sacos de roupas. Fomos recebidos pelo secretário de educação, Marcelo Verly. Nos deixou a par dos abrigos e nós, colocamos a disposição nossa estrutura. Vimos crianças bem tratadas, recreadores e muito alimento chegando. Nas escolas precisa-se de voluntários para descarregar caminhões de mantimentos, cozinheiras e pessoas para ajudar com as crianças. Material de limpeza e higiene pessoal são em todos os lugares os itens mais pedidos.


Ainda no pátio da escola, olhei em volta. Uma visão parcial do bairro de Olaria e das montanhas em volta da cidade. Novamente olhei ao redor e vi que todas as montanhas sangraram. Não sobra nenhuma sem um corte. Até mesmo a Pedra do Imperador, neste bairro, que quase não tem cobertura vegetal, pois é rocha exposta, apresenta próxima a sua base, onde há terra, sinais de sofrimento.

A dimensão da tragédia


Resolvemos ir um pouco mais além. O centro de NF está bem assistido. Saímos em direção à estrada de Teresópolis. Precisávamos saber se havia maior necessidade nos locais mais longe do centro.

Logo no início da estrada tivemos contato com um cenário que talvez só tenha sido visto por muitas pessoas em um filme de ficção científica. Um bairro praticamente soterrado. Pedras gigantes na estrada. Casas destruídas. Carros retorcidos como se fossem de papel. Muita poeira às vezes dificultava a visão e dirigir era mais difícil. Avançando na estrada, deslizamentos, sobre deslizamentos. Um local onde passava um pequeno córrego é agora um lamaçal. O córrego está também soterrado. Problemas sérios para as próximas chuvas. Muita, mas muita terra. Toneladas incalculáveis. Caminhões e máquinas trabalhando sem parar desimpedindo a estrada e carregando terra para baixo e para cima, jogavam a terra em um local, em minha opinião totalmente inapropriada. Faziam um aterro sobre um pequeno brejo na beira da estrada. Mas aonde jogar tanta terra?
Vencendo o rali na estrada, chegamos ao distrito de Campo do Coelho. Mais uma vez uma escola. Agora estadual. Estava chegando mantimentos através do exército. O cenário um pouco diferente do que vimos no centro da cidade. Mais necessidade de ajuda, de organização, de atenção. Alguns desabrigados. O que era sala de aula virou teto. Colchões no chão. Um homem com uma vassoura tentava limpar. Algumas pessoas no apoio não souberam dizer quem coordenava as ações.
Falta lideranças
Impossível não reparar na escassez de lideranças. Faltam líderes. Nosso povo está carente de líderes. Não digo de grandes líderes. Esses faltam sim. Pessoas exemplares nas quais possamos confiar e dizer quando crescer quero ser igual a ele. Estes exemplos de líderes capazes de mobilizar e inspirar uma nação foram substituídos pelos deuses do futebol, ricos e famosos e pelos grandes heróis, gladiadores medíocres do Big Brother Brasil.

Há poucas pessoas pensantes capazes de comandar e ordenar, pois conseguem inspirar e coordenar situações como estas. A pasmaceira é tão grande que as pessoas não conseguem se organizar em um voluntariado vivo, dirigido, comandando, organizado e planejado. Você simplesmente chega a um desses lugares e se diz voluntário. A necessidade de grupos organizados e pessoas capazes de lidar com este tipo de situação é gigantesca.


Isso não acontece apenas em NF é comum também em Teresópolis. Tenho recebido informações através de uma amiga, que totalmente indignada com tal situação tomou a frente da ajuda e da organização dos voluntários.


Passamos por isso, todos estes dias antes de resolvermos subir para NF. Não conseguíamos informações sobre como ou onde nos voluntariar. Este foi o motivo da nossa ida a cidade: fazer um reconhecimento sobre onde e como podíamos ser úteis, sobre como empregar a força de um grande grupo organizado na ajuda as vítimas desta tragédia. A conclusão é que é preciso atuar por conta própria e já chegar organizado, para que até mesmo o caos do outro, não interfira no seu processo e te descentralize.

As Montanhas sangraram


Já ouvir dizer e vi diversas explicações na TV sobre o que aconteceu na serras cariocas. Várias vezes vi e ouvi dizerem que este tipo de fenômeno é comum nas serras.

Como filho desta terra, como cidadão serrano, nascido e criado nas montanhas, entre as montanhas, montanhista e ambientalista, nunca na vida, vi algo igual ao que aconteceu.
Já vi inúmeros deslizamentos, inclusive em áreas de mata fechada. Testemunhei o poder nas águas na serra de NF, em um local onde havia um pequeno riacho onde tomava banho, transformou-se em um largo desfiladeiro de pedras e troncos retorcidos. Isso lá no meio da mata. Esses acontecimentos são comuns sim e até saudáveis para a natureza. Fazem parte da dinâmica de renovação dessas matas. Quando uma clareira é aberta na mata, inicia-se todo um ciclo de renovação e crescimento, atraindo mais animais e dando oportunidades a outras plantas de crescerem e cumprirem seu papel na natureza. Esses ciclos são lindos de se observar.

Acontece, que mesmo em os maiores que vi acontecem uma vez ou outra de tanto em tantos anos em um outro local separados por quilômetros de distância.


Desta vez, o que testemunhei foram deslizamentos por todas as partes, em todas as montanhas onde caiu a chuva. Todas, absolutamente todas em que existe algum tipo de cobertura de solo e vegetal estão escorridas. As montanhas sangraram. Senti em meu peito a dor que elas sentem.

É uma área enorme, que abrange muitos quilômetros quadrados abrangendo 6 municípios. Não há lugar onde você não veja um grande deslizamento de terra.
O que aconteceu foi um fenômeno grandioso demais para ser tratado como comum, para receber explicações simplórias e baseadas em fenômenos anteriores. Isso precisa ser estudado e entendido com mais cautela e maior precisão.

Digam o que quiser, mas está claro para mim, que conheço aquelas montanhas e as chamo pelo nome, que elas sofreram. Estão dilaceradas. Para mim é como se eu pudesse ouvir, sentir as suas vibrações, as montanhas estão pedindo ajuda, pedindo socorro, porque elas não estão mais suportando.

A paisagem mudou e certamente continuará mudando. Uma mudança brusca. Certamente, este fenômeno está sim associado aos efeitos do aquecimento global. Será apenas uma das grandes catástrofes naturais que vamos assistir daqui para frente.
Tratá-lo como comum é um erro. É fazer pouco caso ou dar as costas para a dor que estes montes estão sentindo. É ignorar o grito da Terra.


Já erramos demais. Não podemos mais parar o aquecimento global, ou fazê-lo regredir. Daqui pra frente pagaremos o preço. Mas espero que o homem possa aprender a lição, que estamos todos conectados, que ainda sabemos muito pouco a respeito da natureza, que somos parte deste todo e não somos o todo como a humanidade até agora pensou que fosse.

Precisamos olhar para o exemplo de nossas antepassados e suas culturas “primitivas” e re-aprender a respeitar e ter temor pela natureza. A Natureza precisa ser novamente reverenciada. É preciso urgentemente resgatar a noção do sagrado na Natureza. Não para adorarmos deuses e deusas, mas para valorizarmos e reconhecermos e talvez entendermos a UNIDADE com a criação.


José Francisco Matulja