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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Ciclofosfamida x "EM"


Ciclofosfamida é o tratamento mais comum de esclerose múltipla grave na França

Ciclofosfamida é o tratamento mais comum de esclerose múltipla grave na França
A neuromielite óptica, antigamente chamada de síndrome de Devic, é uma doença imunológica associada à esclerose múltipla. Já há muito tempo os neurologistas sabem que este nome, “esclerose múltipla”, na verdade deve incluir uma pequena série de doenças um pouco diferentes entre si, que terão aspectos similares na sua origem, na sua natureza, ma talvez tenham detalhes do mecanismo da doença um pouco diferente. Assim, formas mais leves da doença, a chamada esclerose múltipla benigna, está aos poucos sendo definida. Também a forma chamda de “pediátrica”, que ocorre entre a pré-adolescência e a juventude. Claro, já há muito tempo se separam as formas clínicas de esclerose múltipla em 3 tipos principais: recidivas e remissões (também conhecida como R-R, em inglês e português); progressiva crônica e progressiva primária. A diferença entre as duas progressivas é que a progressiva primária já começa progressiva, e a crônica começa depois de alguns anos com recidivas e remissões, as “crises” da esclerose múltipla.
A neuromielite óptica é que vem sendo separada destas todas nos últimos anos. Classicamente, até em torno de 10 anos atrás, os neurologistas faziam este diagnóstico em raros casos, muito graves, de pacientes que tinham um curso monofásico. Ou seja, uma doença de uma ou duas crises graves, piores do que usualmente se vê em esclerose múltipla. Pessoas que tinham uma grande crise de desmielinização, com perda visual ou paraplegia graves e definitivas, que não melhoravam mais. Em mais de 20 anos de convívio diário com esta doença em vários países diferentes, eu podia contar nos dedos das mãos os pacientes que poderiam ter este diagnóstico.
Porém, as coisas em Medicina, como em qualquer ciência, mudam conceitualmente de uma maneira muito mais importante do que tecnológicamente. Um exame de sangue, de anticorpos anti-aquaporina, foi descoberto há alguns anos na Mayo Clinic, e mudou todo o raciocínio clínico em torno da grande população que sofre de esclerose múltipla.
Mudou o conceito clínico, pois logo este exame imunológico demonstrou-se positivo em um grupo mais amplo de pacientes do que aqueles que a Neurologia antes reconhecia como neuromielite óptica, e o epônimo Devic foi definitivamente abandonado. O exame passou a ser um marcador de pacientes portadores de uma forma grave de esclerose múltipla. Este simples fato é uma verdadeira revolução na Medicina, pois em Neurologia e Psiquiatria os diagnósticos são sempre clínicos, indiretos, dependentes de múltiplos exames e avaliações, e de muita experiência clínica de médicos especializados. É o caso de doenças como Alzheimer, Parkinson, esquizofrenia, doença bipolar, enxaqueca, epilepsia. Identificar uma doença com um simples exame de sangue é uma grande novidade.
Em poucos anos os neurologistas precisaram aprender a diagnosticar estes casos rapidamente, a nova síndrome clínica da neuromielite óptica, pois as perdas visuais e as deficiências motoras de envolvimento medular são rapidamente progressivas. Em geral não há tempo para esperar o resultado do exame de sangue. E passaram a ver muito mais casos do que viam em décadas recentes.
Até hoje, pela rapidez da evolução da mudança dos conceitos nesta área, não foram realizados estudos epidemiológicos importantes sobre neuromielite óptica, especialmente desde que foram desenvolvidos os novos critérios de diagnóstico em 2006. Ou seja, existem poucos estudos que indiquem qual a frequência da doença na população em geral, qual a frequência entre os portadores de esclerose múltipla, qual a distribuição nos sexos e nas idades. Existem estudos que indicam a experiência de certos centros especializados, mas não estudos epidemiológicos. Alguns neurologistas já desenvolveram uma experiência pessoal e podem até achar que identificam estes pacientes logo de início, mas estamos todos em uma rápida curva de aprendizado.
Neste artigo da revista Neurology, neurologistas de vários hospitais da França descrevem um grupo de 125 pacientes, com resultados de história e de exames clínicos, investigações laboratoriais, de ressonância magnética, e de evolução da incapacidade física e visual.
O estudo foi observacional, retrospectivo e multicêntrico, coletando dados entre setembro de 2007 e agosto de 2008. Os pacientes foram selecionados utilizando arquivos hospitalares e um questionário clínico específico para neuromielite óptica. Na prática, então, os investigadores de vários hospitais franceses identificaram 200 casos através de prontuários em 25 hospitais; neste grupo, acharam 125 com neuromielite óptica; depois avaliaram os dados de prontuários destes pacientes para um ano antes de 31 de agosto de 2008.
Neste grupo, a idade média de início da doença foi de 34 anos, variando entre 4 e 66 anos de idade. O tempo médio de duração da doença foi de 11 anos. 87% dos pacientes eram brancos caucasianos. Haviam 3 mulheres para cada homem. Em 90% dos casos a associação de neuropatia óptica, mielite longitudinal extensa e uma ressonância inicial negativa foi suficiente para fechar os critérios de diagnóstico. 93 pacientes, ou 74%, tiveram ressonância magnética de crânio normal durante todo o estudo.
80% foram tratados com terapias imunossupressivas. O tempo médio entre o início da doença e atingir o grau 4 na escala de inabilidade de Kurtzke foi de 7 anos; para atingir o escore 6 foi 10 anos; para atingir o escore 7, 21 anos. 4 pacientes morreram durante o ano de estudo, 2 devido a lesões disseminadas de tronco cerebral, 2 devido a doenças não neurológicas. Estes casos não foram especificados, mas a sugestão que fica é que sejam de complicações do tratamento.
O primeiro episódio de mielite foi seguido de um escore de 4 em 37% dos casos. Perda visual grave foi observada em 22% dos casos após um primeiro episódio de neurite óptica. Análise multivariada não revelou outros previsores de uma má evolução além de um grande número de lesões cerebrais na ressonância, que preveram uma perda visual de 1/10.
Durante o tratamento pacientes receberam em média 2 tipos de medicação imunossupressora ou imunomoduladora:
· ciclofosfamida (26%)
· micofenolato mofetil (20%)
· interferon beta (16%)
· azatioprina (14%)
· mitoxantrone (12%)
· acetato de glatiramer (3%)
· rituximab (2,5%)
· metrotexate (2%)
· natalizumab (1,5%)
· outros tratamentos (3%)
O tempo médio do início dos sintomas para o primeiro tratamento foi de 5 anos, dividido em 3 grupos:
· tratamento imunossupressor endovenoso em 52 casos (49%)
· tratamento imunossupressor oral em 34 casos (32%)
· tratamento imunomodulador em 20 pacientes (19% dos casos)
Em 8 pacientes nenhum tratamento havia sido iniciado 5 anos após início dos sintomas. Os autores não fizeram nenhuma comparação entre os estudos, porém notaram uma associação muito próxima entre a gravidade da doença e a agressividade do tratamento. Assim os casos mais graves receberam o tratamento imunossupressor endovenoso, os de moderada gravidade receberam imunossupressão oral, e os mais leves receberam os imunomodulares, ou nenhum tratamento.
Este artigo demonstra a muito maior frequência atual do diagnóstico de neuromielite óptica do que nós neurologistas fazíamos há muito poucos anos atrás. Em termos muito gerais, o diagnóstico é feito em portadores de uma doença óptica, mas com muito maior frequência de uma doença medular, de evolução sub-aguda, progressiva e grave. Nestes casos, o neurologista se sente obrigado a iniciar um tratamento imunossupressor de maior intensidade, ou de intensidade real, previsível, confiável, utilizando uma ferramenta conhecida como a ciclofosfamida. Uma parte destes pacientes, os de sintomatologia medular, está vindo de um grupo que antes eram diagnosticados como esclerose múltipla cronicamente progressiva, ou mesmo progressiva primária. Nestes, a ciclofosfamida emerge como a ferramenta antiga, previsível, com a qual muitos profissionais adquiriram boa experiência.
Tradução, comentários e adaptação:
Prof. Dr. Paulo Rogério M de Bittencourt, PhD
· Full Member of Brazilian Academy of Neurology
· Corresponding Fellow of the American Academy of Neurology
· Member of the European Neurological Society
· Member of the Medical Council of the Brazilian MS Society

Neuromyelitis optica in France: A multicenter study of 125 patients
N. Collongues, MD et al. Department of Neurology, University Hospital of Strasbourg, 1,
67091 Strasbourg, France
Neurology 2010; 74:736–742

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